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A Vida Religiosa Consagrada (VRC) passa hoje por situações de tensos desmoronamentos em toda sua estrutura. Ela tem se tornado, a exemplo do que diz Zygmunt Bauman em seu livro “Sociedades individualizadas”, um “espaço individualista, a ponto de causar problemas e desconfortos entre os membros” (BAUMAN apud OLIVEIRA, 2013, p. 13). Diante dessa realidade da VRC, faz-se necessário uma releitura da vocação religiosa. A atual conjuntura aponta para as seguintes direções: mudança de mentalidade como processo de conversão pessoal e comunitário, seguimento radical a Jesus Cristo e liberdade para o Reino, no exercício da missão.

O ser humano é um indivíduo social e de relações interpessoais, que cuida e age no entorno do seu espaço, fazendo dele um diferencial no mundo. Porém, hoje, a imagem que se vê desconcertante e até mesmo atemorizante, naquilo que tange à própria natureza humana. Competições, injustiças, morte, violência e tantas outras adversidades que desumanizam o ser humano levam a crer que este “se tornou o lobo dos demais seres humanos (homo homini lupus)” (OLIVEIRA, 2013, p. 13). O coletivo passa a ser individual, pois os interesses pessoais e a busca incessante de poder desvirtuam o espírito comunitário de partilha que antes gerava bem-comum entre os homens e as mulheres.

No tocante às transformações da sociedade, são perceptíveis as variadas estruturas tendentes a um individualismo proveniente das más condições de coletivismo no interno de suas instituições. “Os homens e as mulheres são quase sempre forçados a usar suas capacidades, habilidades e conhecimentos para ir tocando a vida e não para empregá-las em causas nobres e de grande valia para a humanidade” (OLIVEIRA, 2013, p. 14). Desafortunadamente, a imagem interna que muitas instituições religiosas têm mostrado, ao longo de seus anos, é a de um descompromisso com o Evangelho e um aburguesamento de certos membros, que encontraram na VRC uma estabilidade de interesses próprios. Consequentemente, a VRC torna-se um campo de refugiados, “de pessoas deprimidas que escolhem seu jeito cool[1] de viver” (OLIVEIRA, 2013, p. 14).

Com o avanço da pós-modernidade e as mudanças de ciclos provenientes dos novos anseios de transformação sociocultural, o indivíduo mudou sua maneira de ser e atuar no mundo, tornando-se mais subjetivo e menos totalitário. A VRC não se encontra imune das crises pós-modernas, mas está mergulhada nela com suas obscuridades e contradições que hoje a identificam como uma sociedade individualizada. Diante disso, ele elenca certos motivos pelos quais a vida religiosa encontra-se propensa a um declínio cada vez maior.

Diante dessas realidades tão presentes nas comunidades religiosas, a consequência é evidente, ou seja, um aglomerado de pessoas com  “ausência de compromissos ou os compromissos fugazes da mesmice, repetitivos, sem nenhuma criatividade ou ousadia” (OLIVEIRA, 2013, p. 14). O grande risco do individualismo na VRC é o cultivo de “sanguessugas”, aproveitadores, sem nenhum vínculo carismático com a instituição, fazendo-a somente de habitat sustentável.

 

3.1. Mudança de mentalidade

Por mais que as instituições religiosas e as obras de vida apostólica estejam beirando a um declínio considerável na sua continuidade, principalmente na constituição de membros para sua sobrevivência, elas ainda encontram possíveis esperanças para uma renovação humana e espiritual daqueles e daquelas que as constituem. Um dos grandes apelos que a VRC situa no interior de sua existência é o desejo de mudança de mentalidade. Essas mudanças consistem, sobretudo, numa renovação do espírito, voltando às fontes batismais e ao primeiro amor que conduziu cada homem e cada mulher a trilhar seu caminho numa opção por Jesus e por seu evangelho.

Mudar é renovar, é abrir laços para uma nova maneira de pensar e ser no mundo! Por isso, a VRC precisa abrir mais espaço ao coletivismo e à participação de todos os seus membros, a fim de promover uma nova roupagem no carisma antes posto de lado, por não responder às necessidades subjetivas. Beber da fonte dos fundadores, pelo modo que eles deram os seus primeiros passos no florescimento da missão e encarnar o espírito evangélico de Cristo, é condição indispensável para que a mudança renovadora aconteça. Porém, a primeira conversão a ser feita para um reavivar da chama carismática na instituição religiosa é a do coração humano. É necessário um querer pessoal e audacioso de transformação do olhar pessoal para o todo da VRC. Pensar a VRC mais fraterna e solidária, preocupada com o seguimento a Jesus Cristo, sem uma experiência na própria existência de fé e caminhada religiosa, é, por certo, um tanto contraditória.

As bem-aventuranças e as parábolas evangélicas servem de diretrizes para melhor compreender as necessidades da VRC. Elas são, na verdade, respostas aos apelos emergentes das situações que requerem um olhar mais atencioso aos problemas que afligem as diversas congregações e institutos religiosos. Quando se pensa uma mudança de mentalidade como apelo à realidade atual, a resposta bíblica está no cumprimento da vontade de Deus, baseado na vivência das bem-aventuranças. Elas são o programa de vida do discípulo comprometido com sua vocação e que deseja abrir novos horizontes para o seguimento do Mestre. Sua proposta é experimentar, na prática, o gosto da vida aberta à luz de Cristo, num compromisso mais autêntico e desejável de se viver o Evangelho na vida e na missão. A comunidade religiosa que vivencia em seu cotidiano o programa de vida do discipulado sente no coração e na relação entre os irmãos e irmãs as mudanças extraordinárias para o bem-estar da VRC.

 

3.2 Seguimento a Jesus Cristo

Dentre muitos, o apelo mais importante à VRC é o seguimento a Jesus Cristo, finalidade de toda e qualquer vocação, especialmente da vocação à vida religiosa. “Os padres do deserto começaram sua missão imitando a maneira de ‘ser e viver consagrado’ de Jesus Cristo. E que para uma experiência de total entrega era necessário viver as exigências que o próprio Jesus viveu como consagrado” (cf. KEARNS, 1999, p. 59).

O seguimento a Jesus é, com efeito, um caminhar através de sua história e modelo de vida. A VRC tem no seu cerne essa característica de seguir a Cristo. Seu diferencial é a maneira como vive o Evangelho no mundo. Seguir o Mestre é continuar os seus passos, beber da mesma água e experimentar dos mesmos sofrimentos e alegrias. Viver segundo Cristo nas exigências atuais é assumir, de fato, um autêntico radicalismo evangélico encarnado na fé, na vida e nas exigências do dia a dia, sendo coerente com o projeto de vida escolhido.

Para um seguimento radical a Cristo, é necessário um enraizamento no próprio Cristo e que a radicalidade não significa limpar o Evangelho e as suas exigências a fim de que ele se acomode a todo e qualquer projeto de vida. Ele assinala que a grande problemática da VRC é a crise teológica, devido à falta de fundamento que lhe dê textura e sentido, possibilitando uma maior experiência de Deus nas atividades que garantem o futuro (cf. Díez, 1995, p. 93).

O fundamento último da vida religiosa é uma experiência religiosa radical. O carisma específico da vida religiosa consiste em “tematizar” a experiência de Deus em Jesus Cristo e fazer dela o projeto fundamental de toda vida e o eixo de toda referência. Essa experiência religiosa implica “o saber, o não saber e o sabor” (Díez, 1995, p. 93).

As parábolas do Sermão da Montanha são, sem dúvida, alusões ao seguimento radical a Jesus. Seguir a Cristo é sentar-se ao pé da montanha e ouvir suas palavras, saboreá-las na vivência cotidiana entre os irmãos e irmãs de congregação, irradiando-as como luz na vida da Igreja. Só é radical quem experimenta a profundidade das palavras de Jesus e torna-se sal e luz na vida dos homens e mulheres. Radicalidade não é baderna, tampouco violência; radicalidade é coerência de atos, delicadeza, agudeza de espírito. A VRC precisa ser radical, no sentido de manifestar o seu carisma e missão na Igreja, sendo sinal visível do ressuscitado entre os povos.

 

Referências bibliográficas

 

DÍEZ, Felicísimo Martínez. Vida religiosa: Carisma e missão profética. São Paulo: Paulus, 1995. (Tempo de libertação).

KEARNS, Lourenço. A teologia da Vida Consagrada. 5.ed. Aparecida, SP: Editora Santuário, 1999. (Coleção Claustro, 4).

OLIVEIRA, José Lisboa M. de. Viver os votos em tempos de pós-modernidade. 2.ed. São Paulo: Edições Loyola, 2002. ______. Viver em comunidade para a missão: Um chamado à Vida Religiosa Consagrada. São Paulo: Paulus, 2013.

 

 

 

[1] Palavra inglesa que significa fugitivo, distanciado.

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* FSP: 1936 Casa Generalizia a Roma (Italia) - 1957 a Cagayan de Oro (Filippine) • PD: 1949 Casa Regina Poloniae a Czestochowa (Polonia).

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